A língua configura-se como um complexo universo em que existem os mais diferentes e curiosos planetas. A partir deste paralelo, podemos dizer que os “planetas” que gravitam a imensidão da língua são as variantes linguísticas.
Desde tenra idade, entramos em contato com a linguagem verbal, imitando-a, apropriando-nos de suas propriedades essenciais. Paulatinamente, tornamo-nos confidentes da língua, que nos revela os seus mais íntimos segredos.
Observamos também que, comos nós, os outros indivíduos acabam por ligar-se à língua também. Em grande parte, é este o principal fator que culmina no milagre da comunicação humana.
As pessoas, contudo, utilizam formas distintas da mesma língua. A estas mudanças no uso da língua, explicadas devido uma rede intereligada de informações, que determinam a escolha de um determinado modo – tais como: região em que se vive, faixa etária distinta, grupos sociais diferentes, etc. … – chamamos VARIEDADE LINGUÍSTICA.
Grosso modo, as variedades linguísticas constituem as variações que um idioma qualquer apresenta, em função da condição social, cultural, histórica e regional em que um indivíduo o utiliza. Constituindo-se como parte integrante do universo língua, as variantes possuem o objetivo principal de promover a comunicação interativa e verdadeiramente efetiva entre as pessoas.
Não existe uma variante que sobrepuje outra; em verdade, todas as variações linguísticas são consideradas corretas, se respeitadas suas condições e adequações de uso. Apesar disso, a variedade padrão, também chamada de norma culta, possui maior destaque e prestígio social. A norma culta é aquela que se ensina nas escolas, largamente utilizada na escrita oficial (livros, revistas, jornais, artigos científicos e acadêmicos …). Às vezes, os meios televisivos também a utilizam. As outras variantes, que incluem em seu grupo um enorme caudal de possibilidades, desde variações regionais de fala (sotaque), de uso e de escolha vocabular e sintática, por exemplo, até os jargões e as gírias… todas estas formas se configuram, de maneira genérica, como variedades não padrão.
Uma velha dicotomia: língua x fala
Saussure, em seu Curso de Lingüística Geral, fala a respeito da dicotomia língua x fala. Relembramos das considerações do autor, em determinada medida, quando percebemos que a língua, principalmente em sua faceta escrita, demonstra-se fatalmente como um fenômeno estático, se comparada à fala, “entidade” vertiginosamente dinâmica. Tanto língua quanto fala fazem parte da linguagem verbal humana, que sabemos, transmite muito mais do que nossas ideias. A linguagem e a língua-fala são capazes de mostrar o nosso “eu” para os outros indivíduos. Por elas, as pessoas acessam um conjunto de informações que passamos no ato da escrita ou da fala. Nossas escolhas denunciam quem somos no plano social e interferem em nossa interação com a sociedade. Um sotaque revela de onde somos; às vezes, a escolha de palavras, nosso nível escolar, nossa formação; uma “ingênua” expressão diz respeito aos nossos valores culturais, às nossas crenças, ao nosso círculo de amizades; a omissão, esporadicamente, pode dar indício de uma mostra de timidez, pode esclarecer a maneira pela qual passamos pelo processo de adaptação a novas situações…
Enquanto seres sociais e sociáveis que somos, temos um poderoso instrumento de ação: a língua. Ela pode nos aulixiar, bem como nos atrapalhar na prática social… tudo depende de nossas escolhas.
♦Por: Nathaly Felipe Ferreira Alves♦
Hi, Teachers Alexandre, Egnaldo and Nathaly! I loved your discussions about Portuguese Variation which are used in Brazil. This country is most rich in linguistic variation. I studied in a German School and there we have to learn Spanish, English, Germany, French, Latin and Greek (Classical and ‘demotik’).
When we studied Latin, we have some contacts with Portuguese system (Iberical transformations languages) and so on. I think Brazil was colonized with Portuguese language and its native language – Tupy and its variations – were took out of its real society. But this discussion is another theme you together should discuss!
Then that dialogical discuss between all you will not have end; this is important theme! Congratulations.
Prezada Laura, este blog tem como intuito a difusão de conteúdo científico e cultural, não fazemos resumos. Creio que lendo este post, que é o mais acessado do blog em todos os tempos, você conseguirá formar seu raciocínio, e fazer assim seu próprio resumo do conteúdo.
GAIA CULTURAL
Oi Egnaldo
Talvez você possa me ajudar.
Tenho que apresentar um trabalho para a faculdade sobre variedades linguisticas e escolhemos falar dos cordeis de Patativa do Assare. Gostaria que você me desse algumas dicas quanto ao que posso no trabalho. Voce tem alguma ideia do que posso falar?
Dicas de livros serão bem vindas ou artigos interessantes.
Conto com a sua colaboração
Fernanda
tava massa, mas eu nãi li, resumi pro trabalho de portugues (Y)
Eu sou formado em Letras – Português/Alemão (Língua, Linguística e Literatura) na USP. Não sou prolixo e sei que esse debate não tem fim, mas já percebi que concordamos em alguns pontos e discordamos em outros e isso é muito bom. Como você bem disse, a questão mesmo é tirar o rótulo de certo da norma culta em detrimento das variações. Foi por isso que me recusei a dar aulas de português.
Sou contra a ABL, contra a Reforma Ortográfica e qualquer mecanismo e/ou instituição que eufemisticamente se coloque como defensora do ensino de uma língua que não é minha e de minha sociedade real, mas sim daquela que compra “Como falar corretamente” e coisas do gênero.
Infelizmente, Alexandre, temos de admitir que nosso padrão normativo é sim discriminatório.
Mantenho o ‘ensino’, pois as crianças aprendem a gramática normativa, que não vem de casa. Se houver diferenciação, ela deve ser feita entre aquisição e aprendizado, que ai sim são coisas diferentes.
Um abraço!
Nós do blog somos oriundos da FSA (Fundação Santo André), conhece? Terminamos ano passado, e eu estou começando a Pós (aluno especial, por enquanto) lá na FFLCH. Devo seguir a área de Filologia – isso explica meu apreço pelas ‘velharias’…!
Enfim: uma vez ouvi um professor (que se doutorou na USP em 2008) dizendo que o X da questão é mostrar ao aluno que ele não tem que trocar de padrão lingüístico, mas que ele pode ser senhor de DOIS, TRÊS padrões… Isso me fez ver essa questão da ‘luta intestina’ da língua com menos reservas.
A gente não tem que abdicar da nossa variante, mas temos o direito de usá-la assim como temos o direito (e totais condições) de dominar e usar a norma culta. Sem maiores envolvimentos… Melhor pra quem dominar ambas – não mercadologicamente, mas socialmente, pensando nas pessoas como potenciais ‘agentes da História’.
Alcançar esse objetivo – convencer o aluno, na linguagem dele, de que é bom ser ‘poliglota’ – é cumprir um bocado da missão do Mestre enquanto formador de ‘homens’, de ‘cidadãos’. É abrir portas, para que por si sós as pessoas possam abrir outras mais.
Parece bobagem, mas a mim essa visão fez pensar um bocado, e clareou uma série de conceitos que eu vinha fazendo sobre a questão.
Acompanho um pouco do dilema lingüístico que se vive hoje na Galícia: o Galego é LÍNGUA OFICIAL da Espanha, mas ainda está em processo de normatização (um processo que o Português enfrentou um pouco depois de… Camões!!). É uma briga, pois há os defensores de uma aproximação ao castelhano, há os que defendem um afastamento (e conseqüente aproximação à lusofonia), há as barreiras sócio-político-históricas, que, entranhadas nas pessoas depois de décadas, séculos!, muitas vezes atravancam o processo inteiro… É algo fascinante, em todos os sentidos – os positivos e os negativos.
E olhando a realidade deles, descobrimos novos horizontes sobre a nossa… Como viver sem uma norma lingüística – que, numa democracia, vai representar, na melhor das hipóteses, o desejo da ‘maioria’ (nunca da ‘totalidade’)? E como normatizar sem cometer e sofrer pequenas violências – reivindicações ali, concessões aqui…? E como, tecnicamente, normatizar sem recorrer à História da língua (cujo registro são baseados em várias tentativas anteriores de normatização, através de séculos e séculos)?
Do alemão não sei nada, mas parece que o ‘alemão padrão’ é uma língua de certo modo artificial, não é? E não acaba, por isso, trazendo também a marca de “propriedade” e “ferramenta” de uma camada específica da sociedade (seja política, seja econômica, seja intelectual…)?
Até…!
Acredito que a variação linguística seja mais importante do que a própria língua que se ensina (norma culta). Pena que nossas escolas (e até faculdades de Letras) continuem insistindo no uso da gramática normativa e desprezo pelas variações.
Saussure contribuiu muito para que a língua fosse vista como objeto de estudo e análise e penso que hoje o grande erro no ensino e estudo de línguas se baseie num conjunto de normas a serem seguidas pelos falantes, quando na prática o que acontece é o caminho inverso.
http://napontadaslinguas.wordpress.com/
Olá, Egnaldo – Obrigado pela visita!
Eu fico no meio-termo. Claro que a língua não é imutável, intangível – essa idéia de que represente um ‘passado glorioso ameaçado pelos barbarismos dos incultos’… não, nada disso (rsrs). Se fosse assim, tínhamos que falar latim clássico.
Mas ao mesmo tempo, o patrimônio da Norma Culta tem que ser custodiado por alguém. Afinal, muitas vezes ele é o link (ó o anglicismo…) com o passado escrito. Além disso, a tentativa, p. ex., de se traduzir um texto de outra língua qualquer para uma das ‘variantes’ tornaria o texto incompreensível para um bocado de gente… vc já experimentou fazer isso? É no mínimo estranho…
E um provável ‘alguém’ é a Academia.
Portanto, quanto a mim, não recrimino a atenção que se dá à Norma Culta, não. Muitos dos porquês da língua só podem ser resgatados dentro de seus cânones. Tem-se que cuidar para não limitar o tema à perene ‘luta de classes’, à ‘relação opressor x oprimido’… creio que a problemática vai além.
De qualquer forma, a coisa tem que mudar um pouco – mudança no foco dado ao assunto junto aos estudantes dos primeiros anos escolares; combate à discriminação lingüística; reconhecimento e respeito à pluralidade; etc…
Por fim: a língua VAI mudar, ESTÁ mudando… mas a coisa tem que ir devagar, nem muito “presa”, nem muito “solta”.
Ê, assunto interessante…!
Um forte abraço,
Alexandre Oliveira
É justamente esse o problema. A língua sempre está mudando, o que não muda é o jeito de ensiná-la. ‘Variação’ é palavra proibida no planejamento escolar.
De qualquer forma, acho saudável levantarmos essa discussão, embora não concorde que a norma culta tenha de ser custodiada, principalmente por não saber do que ela é representação.
Acho que ela deve ser questionada, pois se por um lado a língua escrita é (ou deveria ser) representação gráfica da fala, por outro o contrário não tem sentido. Os primeiros registros escritos são muito posteriores ao surgimento das línguas. Além disso, vale lembrar que das quase 7.000 línguas conhecidas hoje, mais de 80% são ágrafas.
Egnaldo,
Sou meio prolixo, portanto me desculpe a resposta longa… rsrs!
Pois é… a reestruturação no ‘ensino’ da língua materna (que não é ensino, pois as crianças já vêm para a escola sabendo ao menos os seus mecanismos) é uma necessidade que esbarra num monte de coisas.
O duro é que as crianças já vêm da própria casa com tantas lacunas de conhecimento (falta de valores, principalmente) que as matérias dadas na escola passam a ser ‘secundárias’ na formação delas. Não são, o sabemos, mas se fôssemos escalonar quanto à prioridade, é claro que primeiro viriam ‘saúde e higiene’, ‘respeito ao próximo’, etc. etc..
E falo sem preconceito nenhum, porque já tive pobreza na família, já trabalhei com crianças carentes, em cortiços, essas coisas.
Concordo com seu argumento. Porém, cabem algumas questões: quantas destas línguas ágrafas são línguas de grandes povos – grandes não em “qualidade” (pois para mim todas as culturas têm o mesmo valor), mas em “quantidade” – nº de falantes, área geográfica por que está espalhada, período histórico que abrange (com o conseqüente desenvolvimento tecnológico, a miscigenação com outras culturas, etc…), patrimônio intelectual gerado (através dos séculos e das mais diversas áreas do conhecimento)?
É claro, uma língua ágrafa qualquer (p. ex. um idioma indígena lá no Pará) não é em nada inferior ao Português. Mas as diferenças entre eles explicam o enfoque diverso. E a fortuna histórica do Português justifica a busca e a ‘manutenção’ de um padrão normativo, que não seja discriminatório, mas que represente um meio-termo – algo como já foi o nheengatu para as diversas variantes lingüísticas no Brasil até o séc. XIX, não? (desculpe se careço de subsídio, não sou (ainda…!) estudioso do assunto).
O trabalho é tirar a marca de “certo” da Norma, e de “errado” da variação. Mas ainda penso que a Norma é o elo entre as várias realidades sócio-econômico-culturais que formam esse emaranhado chamado Brasil… “É nóis, tudo junto misturado”
Pode ser que eu esteja enganado, mas esta é minha visão hoje. Falando de ‘preconceito lingüístico’, fico entre o Bechara e o Bagno (pendendo um pouco pro Bechara). Mas algunss amigos aqui do blog pensam diferente de mim, esteja certo… rsrs
Que legal este nosso debate! Assim que puder, navegarei pelo seu blog. Você estuda na área de Humanas? O que vc faz?
Forte abraço!
Alexandre Oliveira
Olá, Egnaldo.
Acredito que a norma culta não deve ser a grande ditadora em sala de aula. Como professora, penso que o se deve haver é a conciliação, por assim dizer, das variedades… ou melhor: o respeito em seu uso. A adequação de se uso.
Custodiada ou questionada (dadas as devidas proporções de ambas as possibilidades), a norma culta é o que é por mera convenção (sem querer entrar em problemas sociais… luta de classes, como tb disse o Ale).
Todo sistema de linguagem deve seguir “uma norma”, “uma convenção”, “um acordo”… para que haja o seu real entendimento. Com isto, não defendo o uso da norma padrão, nem digo que ela é a única e perfeita escolha (até pq, sendo redundante, deve-se haver não a tolerância, senão o respeito por outras normas… tb convencionais, se pararmos pra pensar, tb dotadas de uma “norma” própria, ditada por sua sintaxe, por seu estilo… e por aí vai).
Pra mim, conforme cito no post, a língua é o veículo pelo qual acessamos as outras pessoas e não só as pessoas. Em sociedade, ela cria o nosso universo de relações. Cabe a nós saber como utilizá-la a fim de alcançar o que quisermos. Cabe a nós escolher a melhor forma de fazer uso da língua… mas… não podemos escolher o que não conhecemos…
Assim, a norma culta deve ser ensinada, sim, em sala. Devemos explicar porque ela é importante, quais suas peculiaridades… o que ele representa (de positivo e negativo, é claro). O aluno tem de ter o direito de saber usar a norma culta e de escolher conscientemente quando quer usá-la ou não. Seu ensino, ao meu ver, não indica de forma alguma que não se pode trabalhar com outras variantes, mais ricas, mais dinâmicas, mais “reais” (devido ao uso, devido que se queira pensar…).
O que eu acho que vc disse se relaciona não tanto com a norma culta em si, mas como ela é privilegiada e ensinada em sala de aula, não é isso? Penso que seu problema é com a abordagem das aulas de LP. É isso?
Bjo.
Nathaly, não me oponho ao ensino da norma culta, e sim ao ensino dela como única vertente da língua, que é o que de fato acontece nas escolas e até em algumas universidades.
O problema é que, como as outras variantes não são mostradas, o aluno as toma como incorretas.
É fantástico poder se debruçar sobre a língua que se usa (e as demais, também), pensar na comunicação, descobrir o que está envolvido nesse processo.
O uso de uma língua é muuuuito complexo, muuuuito dinâmico, e ainda assim uma criança de 5 anos – na Hungria, no Japão, no Brasil… – domina, com pequenas limitações, a ferramenta ‘linguagem’.
Steven Pinker, em ‘O instinto da linguagem’, teoriza sobre ela ser uma estrutura ‘inata’ ao ser humano, como o bater de asas é inato ao beija-flor. Que livro interessante… se puderem, leiam.
E uma questão interessante: até que ponto a ‘norma culta’ afeta a fala? Porque é perfeitamente possível um piauiense ou um mineiro falar sob as ‘grades’ da norma culta, porém com todas as matizes regionais que lhe escapam… Ou há diferenças de “correção” entre uma entrevista do Fernando Henrique Cardoso, uma do Ariano Suassuna e uma do Chico Buarque (atenção: estamos falando do ponto de vista lingüístico… rsrs)?
Gente, que assunto vasto e rico…! Somos donos de um tesouro simplesmente incalculável, e do qual pouquíssimas pessoas – mesmo dentre nós, que estudamos a língua – se dão conta.