A Educação em Dom Casmurro.
A partir de hoje, faremos uma série de post’s sobre os livros da FUVEST 2010. O intuito desta série e colaborar, ainda que minimamente, com esclarecimentos sobre o livro, talvez, sobre uma ótica diferente das encontradas na Internet. Em suma, não se pretende aqui fazer um mero resumo das obras escolhidas pelo maior vestibular do país. Este post, em específico, são as minhas considerações a respeito do trabalho acadêmico feito em 2008 pelos graduandos de Letras do CUFSA (Gerda/Raul/Paula/Denis) sobre a obra Dom Casmurro de Machado de Assis, inserida dentro do realismo brasileiro, pela a ótica da educação de Bento Santiago.
Os alunos escolheram trabalhar com a ideia de uma tríade educacional: família, religião e os estudos –incluído, neste último, a leitura; como veremos a seguir. Além disso, trabalharam também considerando que a personagem principal teve na verdade três personalidades distintas ao longo do enredo, sendo: Bentinho, Bento Santiago e Dom Casmurro. A infância e adolescência na primeira fase como Bentinho; a vida adulta, em sua fase de matrimônio com Capitu, como Bento Santiago; a velhice solitária do terceiro momento como Dom Casmurro, o narrador.
A primeira grande questão em Dom Casmurro é porque um velho solitário resolve escrever a história de sua vida? Devemos questionar os motivos que o levaram a tal atitude, principalmente por conta da situação, pois não há, ninguém para contestar as informações dadas, já que todos já foram para a outra Europa, como disse José Dias ao se referir aos mortos.
Bentinho cresceu num lar religioso, mas de uma religião não tão correta e carola como o narrador Casmurro tenta nos passar. Talvez a influência de sua mãe ao não cumprir com a promessa feita, seja a responsável pelas incontáveis promessas não cumpridas de Bentinho, além das tentativas de negociar com Deus.
Bento “herda” não só a profissão, como a comilança do tio Cosme, “Vi que, em meio da crise, eu conservava um canto para as cocadas”. Da Tia Justina ele absorveu o jeito de manipular as histórias, “…dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo e a Paulo o mal que pensava de Pedro…”. Afinal foi isso que ele fez com Capitu ao nos lançar o possível adultério. Da mãe herdou a insegurança; enquanto ela precisava do irmão, do padre, da prima para confirmar suas decisões, Bentinho precisa de José Dias. Este inclusive é aquele que tem maior influência sobre a educação de Bento, segundo Helen Caldwell em seu livro O Otelo brasileiro de Machado de Assis, é depois dos comentários de José Dias sobre os olhos de Capitu que Bentinho manifesta suas primeiras intenções amorosas (ou seriam tensões sexuais?).
Por fim os estudos e leituras; há no livro 128 citações de personalidades, frases célebres e localidades. Isso mostra que ao longo dos anos Bentinho/Bento/Casmurro absorveram ensinamentos que marcaram suas atitudes. Logo no início temos uma citação de Fausto que é talvez uma das chaves para desvendar o mistério da pergunta feita no início deste post. Há, no entanto, três outras passagens que julgo de grande importância, são elas:
1- Lúcio Domício Nero Cláudio, Imperador que colocou fogo em Roma e enquanto as labaredas estalavam, ele tocava harpa. Vejo em Dom Casmurro a influência, quando é informado sobre a morte do filho por lepra: “Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro”.
2- Pôncio Pilatos, Governador da Judéia, lembrado por ter entregue Jesus, mesmo acreditando que ele não era culpado, á morte: “…tomando a água, lavou as mãos diante da multidão e disse: estou inocente do sangue deste inocente…”(MATEUS 27: 25). A influência em Dom Casmurro neste caso se dá também em relação ao filho, pois no final o rapaz, acaba falecendo devido a uma febre tifóide e o “filho do homem” acabou por ser enterrado nas imediações de Jerusalém. Há aqui um explícito caso de intertextualidade com as escrituras: “Não houve lepra, mas há febres por essas terras…Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém” Ele entregou ao filho para morte, como Pilatos entregou Jesus.
3- Há também outra menção, de Miguel Montaigne, que viveu no século XVI, e foi um dos mais importantes escritores franceses de seu tempo. A citação: “Ce ne sont pas mes gestes que j’escris, c’est moi, c’est mon essence”(ASSIS, 1967: 122). Cuja tradução seria: “Não são minhas ações que descrevo, é o meu eu, a minha essência”, ou seja, aquilo que é descrito não é a verdade de suas ações, é a descrição da essência de Bentinho que está nas palavras de Dom Casmurro.
O assunto é longo, seriam necessárias as mesmas 30 páginas (talvez mais) que o grupo de alunos utilizou, contudo há acima uma breve explanação das influências na educação de Bento. Além do mais, há inúmeras possibilidades de se analisar esta obra, essa é apenas uma pequena parte de uma destas possibilidades, portanto deixo algumas dicas de livros para os interessados em se aprofundar no assunto.
(Denis Silva)
AGUIAR, Luiz Antonio. Almanaque Machado de Assis: a vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias. Rio de Janeiro: Record, 2008.
BOSI, Alfredo. O Enigma do Olhar.São Paulo: Ática, 2003.
CALDWELL, Helen. O Otelo Brasileiro de Machado de Assis. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul | São Paulo: Duas Cidades, 2004.
SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1988.
No livro Dom Casmurro, qual era a profissão de Tio Cosme?
Opa… mudando de assunto, mas aproveitando a presença do confrade de período matutino…
Guilherme, por favor, esclareça- me:
Sua professora de Lingua Portuguesa, aí no 4o ano de manhã, é a Clarice???
Como vc definiria as aulas dela nesta disciplina?
Sabe, é que no noturno, a titular destas aulas se chama Luzia… e, para não comprometer tanto a eficácia profissional de um, nem a boa educação e ética dicente de outro, digo apenas que procuro alternativa docente para esta disciplina, no ano que vem…
Se puder, informe seu parecer.
Abraços.
Sim, é a Clarice. Além de termos Clarice como professora de língua portuguesa, temos Kátia Cruzes como professora de literatura portuguesa e Eliana Stein como professora de língua inglesa. Em relação às outras matérias, acho que continuam com os mesmos professores ou professoras.
^^
Em nosso trabalho do Dom Casmurro, falamos sobre o contexto histórico, político e social que envolvia as duas famílias… e a gente dedicou um capítulo à D. Glória.
Mulher sinônimo de força patriarcal, pois substituíra o pai de Bentinho que falecera. É uma personagem secundária, entretanto, muito importante para entendermos o jeito do moleque birrento (é assim que o vejo).
Se quiserem, dou um jeito de fazer uns recortes da nossa pesquisa sobre a D. Glória aqui no blog.
É um livro que permite zilhões de leituras e interpretações! Magnífico, né?
Parabéns pela iniciativa de acompanhar as obras da fuvest!
Infelizmente, não pude acompanhar a apresentação do trabalho que abordava a educação de Bento, em minha sala, ano passado, mas, em discussões e leituras, pode-se perceber claramente a fragilidade do caráter do protagonista, um medroso, que tomava decisões baseado nos outros (sua mãe, josé dias, escobas, capitu), que não acreditava na própria formação (religiosa, “universitária”) e que, por estes fatores, mostra-se fragilizado e preso à infância, ao contrário de capitu (que poderia ser tema de um post futuro, ou não? ou já foi?), madura, “muito mais mulher do que eu era homem”.
Abraços,
Guilherme.
Marcelo, por este aspecto que vc analisou, da insegurança, é verdade, há apenas uma personalidade,. Vemos a insegurança acompanhar o próprio Dom, que nos conta a história para provar, também, que não fora culpado, que a culpa era de Capitu. Mas a ótica que analisamos levando em consideração todos os aspectos emocionais, ao nosso ver, há sim diferenças significativas.
É… estas intertextualidades são incríveis.
Eu nem me apercebera de que a mãe era tão insegura como ele!
Só acho que as 3 “personalidades” dele, ou melhor, as 3 fases da vida retratada dele, não são distintas. Creio que, a dúvida que ele tenta incutir no leitor sobre Capitu – se a jovem de Matacavalos estaria naquela com quem ele se casou – se aplica a ele, e com a mesma resposta: sim, pois ele, sempre fora o jovem submisso, acovardado e inseguro, seja lá em qual fase da vida dele.
Mesmo, Denis? Acho que, por termos contato com as chamadas 3 fases da existência dele somente por intermédio da última – o Dom Casmurro -, o narrador incuti nos seus 3 retratos as constantes citadas por mim. As diferenças, bem, não sei sob qual ordem psicológica-comportamental vcs as apreenderam, são apenas de caráter cronológico e rotineiro, ao meu ver. Enfim, se possível, gostaria de ler seu trabalho.
A prof. Lurdinha nos fez o “grande favor” de nos cobrar apenas uma análise em grupo de um capítulo do livro, para cada agrupamento, em sala de aula. Nada dos “ensaios de TCC ou Monografia” que tanto desafiam os alunos e se destacam em nossa grade… Bom, isso já é um choramingo meu mesmo.
Abraços
Marcelo, enviarei o trabalho por e-mail. É uma pena que vocês não tiveram a oportunidade de se aprofundar em temas, como nós fizemos no ano passado. Se estiver realmente interessado, recomendo que leia, também o trabalho do grupo da Nathaly (Alexandre/Nathaly, Lucas/Babi/Carol). Eles fizeram uma análise muito interessantes sobre contexto histórico-político-cultural na obra.