Feeds:
Posts
Comentários

Archive for the ‘Língua’ Category

por: Carolina Cecatto

 

Quem aqui nunca leu um gibi da Turma da Mônica pra se entreter? E quem aqui nunca saiu com um riso após ler essas HQ’s?

A Turma da Mônica foi criada por Mauricio de Sousa em 1959. De lá pra cá os personagens do cartunista sofreram mudanças em seus traços, mas seus trejeitos sempre foram constantes.

Digo isso, porque li há uns meses, um artigo do Dioclécio Luz, do site Observatório de Imprensa, que me fez refletir sobre o ponto de vista dele e, consequentemente, discordar. Se vocês quiserem/tiverem um tempo podem ler aqui o tal artigo.

Ao discordar, num primeiro instante, perguntei-me inclusive o que me fazia ficar ali e perder meus bons minutos lendo um artigo que chafurdava na lama a principal HQ da minha infância. E assim foi: aquele artigo serviu-me de apoio para argumentar pontos favoráveis às HQ’s de Mauricio de Sousa. Vou falar por que é legal ler A Turma da Mônica e, para tal intento, vou contrapor o que li no artigo do Dioclécio.

A Mônica, a dona da rua, foi mencionada pelo já citado resenhista como sendo de comportamento extremamente violento, capaz de incentivar de maneira péssima as crianças que leem as HQ’s. Se por um lado temos esta faceta, é necessário observar até que ponto se dá esta influência: exemplos de casa vistos pela criança ou mesmo na escola podem ser determinantes. Tirando este fator, deve-se pensar um pouco além daquilo que se vê: o fato de uma criança acompanhar, por mais incrível que possa parecer, algumas cenas de violência num gibi – levando-se em consideração as adequações de faixa etária – serve de canal no qual a criança encontra um jeito de externar toda a sua raiva e repressão, sem precisar, para isso, descontar fisicamente num colega de escola. O gibi serve pra canalizar, focar essa energia que a criança carrega. Ao ler, parte dessa energia se esvai na leitura. Lindo, não? (Devo estas informações ao professor Reynaldo Damázio, num curso de HQ’s que fiz com ele).

Sobre a Magali, foi dito sobre o estigma de comilona. Tudo bem, isso é fato. Agora, como eu já disse, ficar no superficial não satisfaz. Bem, a Magali não é só uma garota que come e não engorda. Não é uma personagem que instiga a obesidade infantil. Ela incentiva a criança a comer. Prova disso é que a personagem ainda faz campanha junto com a mãe do Dudu para que ele se alimente. Quer uma personagem mais legal para os pais usarem de exemplo na hora de alimentar uma criança? A gente bem sabe como é difícil entreter algumas crianças na arte da comida.

Outro personagem que foi citado, o Chico Bento, merece algumas observações. Chico foi colocado como sendo uma personagem vista por um aburguesado, a visão que este tem do campesinato. À parte dos termos bem ligados ao socialismo, vamos entrar na questão linguística e, no bom clichezão, tentar ampliar os horizontes. Chico Bento é uma personagem que mostra esse meio rural, de forma caricatural sim, mas entendo que Mauricio, ao criá-lo, quis mais aproximar aquela realidade do que satirizar ou simplesmente rotular o meio rural. E, como disse antes, a questão linguística, no caso, a variante linguística que nos é apresentada vem também como forma de aproximar, dizer que mesmo nos muitos dialetos, podemos nos comunicar, salvo algumas expressões locais, é claro. É uma forma de tirar certos preconceitos linguísticos e também de conhecer um pouco mais dos vários tipos de falantes nesse nosso Brasil.

O gibi de Mauricio calha muito bem nesse sentido, inclusive recomendo altamente ser utlizado em sala de aula para atividades, se possível. Quando a gente analisa esta nona arte, precisamos expandir o pensamento. Se você presencia uma criança que curte leituras como essa, pode ter certeza que não é só porque a Mônica é violenta, ou porque a Magali é comilona e o Chico Bento é só um ícone do olhar burguês sobre o homem do campo. Há muito mais camadas por se descobrir. Algumas citei. Outras, cada  leitor poderá descobrir por si.

Antes que me esqueça: outro motivo que me fez escrever aqui foi porque, depois de muito tempo, voltei a ler os gibis da Turma da Mônica. Parte se deve à tumblr do Porra Mauricio. O site sacaneia as tirinhas do gibi, mas é engraçado – e o melhor: Mauricio de Sousa curtiu. Depois desse site muita gente, fiquei sabendo, voltou a comprar seus gibis.

Pra fechar parcialmente a questão, tenho que fazer minhas vezes de fã, de leitora que adora HQ’s da Turma da Mônica e que entende que a gente quando se afinca numa leitura é porque ali tem muito de nós, simples assim. O legal da Arte é se fazer caleidoscópica. É por essas e outras que vemos muitas interpretações, algumas às vezes muito taxativas (não trabalha com possibilidades), o que enfraquece a análise. Maravilha também é perceber outra coisa que a Arte deixa no rastro: repercussão e olhares distintos.

Read Full Post »

Entrevista realizada por email, em setembro de 2008, que é publicada pela primeira vez neste momento. Nesta entrevista, o professor e lingüísta fala sobre seus livros, sobre Saramago e a Revista Veja, sobre o Acordo Ortográfico, e principalmente sobre seu livro Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz.

__________

Gaia — Marcos, em leitura do seu livro Preconceito Lingüístico ficou evidente a questão da linguagem com a qual você expõe as situações-problema, para alguns agressiva e para outros apaixonada, politizada. Preconceito Lingüístico é um livro científico ou um manifesto?

Marcos – O livro Preconceito lingüístico é um manifesto, sim, e isso é declarado já na apresentação da obra, em que tomo uma posição política bem definida, quando, nas primeiras linhas, cito Aristóteles e digo que é impossível tratar da língua sem fazer política ao mesmo tempo. Evidentemente, as idéias que sustentam esse manifesto têm fundamento científico, provêm das muitas pesquisas e descobertas feitas pelas ciências da linguagem no último século.

Gaia — O preconceito lingüístico, como abordado em sua obra, é resultado de um preconceito maior, de ordem social. A mudança de postura no ensino da língua pode colaborar para uma transformação social profunda?

Marcos – Acredito que sim. A pedagogia tradicional, no ensino de língua, foi a grande propagadora e perpetuadora do preconceito lingüístico, desde os primórdios da civilização ocidental. As noções de “certo” e “errado” tão impregnadas na nossa cultura foram incutidas, basicamente, por essa pedagogia que tratava a língua falada como um amontoado de erros, como uma realização imperfeita de uma “língua” supracelestial, uma espécie de entidade mística somente alcançável por meio da ascese e da iluminação espiritual. As novas práticas de ensino, voltadas para o reconhecimento do saber prévio dos alunos e para a valorização dos saberes locais, decerto podem vir a contribuir para a eliminação ou ao menos a diminuição do peso do preconceito lingüístico em nossa sociedade. De todo modo, o preconceito lingüístico é somente uma faceta de um preconceito social mais amplo e enraizado. Somente a plena democratização das relações sociais vai permitir, não a extinção dos preconceitos, porque eles fazem parte da própria natureza humana, mas vai permitir o combate sistemático a toda forma de discriminação.

Gaia — A questão do preconceito lingüístico se vê evidenciada também em outros países subdesenvolvidos de língua portuguesa?

Marcos – O preconceito lingüístico existe em todas as culturas, sejam elas desenvolvidas ou subdesenvolvidas. Muitos lingüistas estrangeiros, sobretudo europeus, quando lêem o meu livrinho dizem que a situação que descrevo para o Brasil também se verifica em seus países. Evidentemente, o peso da discriminação varia de país para país, mas ela sempre existe. A codificação de uma língua escrita, padronizada, e a imposição desse padrão lingüístico sempre cria, inevitavelmente, o preconceito contra todas as formas de falar que não correspondam a esse padrão.

Gaia — O ensino de gramática ainda é predominante nas salas de aula e ainda nos vemos sob a ditadura da análise sintática. A análise sintática é um bom método para aprender a língua? Quais outros métodos podem ser utilizados para ensinar língua para os jovens de ensino fundamental e médio?

Marcos – Já está provado e comprovado que não tem cabimento algum “ensinar gramática” nos primeiros anos de escolarização. A grande maioria dos lingüistas e educadores já abraçou a tese de que a sistematização gramatical, a metalinguagem, a análise lingüística etc. devem ser deixadas para o ensino médio. No ensino fundamental, a grande tarefa nossa é letrar os alunos, levá-los a se inserir plenamente na sociedade letrada. E para isso é preciso ler e escrever e não saber a suposta diferença entre “adjunto adnominal” e “complemento nominal”. Esse conhecimento não serve rigorosamente para nada.

Gaia — Saramago, no documentário “Língua — Vidas em Português” diz que a língua se tornou tão complexa que cada vez utilizamos menos palavras para nos expressar, e estamos passando por um processo de “involução” da língua onde logo estaremos emitindo sons guturais para nos comunicar. Na sua opinião, esta situação condiz, ou então te preocupa?

Marcos – Os escritores, em geral, são os piores comentaristas que existem para falar de língua. Essas declarações do Saramago só fazem comprovar isso. Qualquer lingüista sabe que não existe “involução” de língua nenhuma. Não existe língua complexa nem língua simples, todas as línguas são igualmente complexas, só que essa complexidade se manifesta, em cada língua, com maior predominância em determinado nível do sistema lingüístico: umas têm a sintaxe mais complexa, outras têm a morfologia, outras a fonologia, outras o léxico e por aí vai. O chinês mandarim, por exemplo, tem uma sintaxe extremamente simples e quase não tem morfologia; no entanto, sua fonologia é complicadíssima, as palavras têm diferentes tons, quase imperceptíveis para ouvidos ocidentais. Muitas línguas indígenas brasileiras têm uma morfossintaxe extremamente complexa, com uma riqueza de composição nominal, de recursos derivacionais capazes de deixar tonto qualquer falante de português…

Gaia — O próprio Saramago diz que não temos uma língua portuguesa, e sim, línguas em português. Evanildo Bechara diz que os educadores têm que tornar os alunos “poliglotas dentro da própria língua”. Mário de Andrade na voz de Macunaíma já elogiava ironicamente nossa capacidade de escrever em uma língua e falar em outra. Estaria a língua portuguesa já dividida em “romances” assim como o Latim esteve, só esperando por ganhar uma forma escrita definitiva? Como se posiciona o professor na sala de aula, tendo que conviver com um pseudo-bilingüismo, ou o que seja?

Marcos – Eu acredito que o português brasileiro (que já poderia ser chamado simplesmente de brasileiro) já é uma língua distinta do português europeu. Assim como podemos montar árvores genealógicas que partem do latim e se distribuem em ramos pelas diferentes línguas românicas, 500 anos de história colonial já nos permitem criar uma árvore genealógica que, partindo do galego arcaico, século XI-XII, se distribuiria em diferentes ramos que incluiriam o brasileiro e os crioulos de base portuguesa. Somente quando assumirmos que temos uma língua distinta da de Portugal é que poderemos abandonar as gramáticas normativas que tentam fazer uma descrição de uma super-língua que não é língua de ninguém, como a de Celso Cunha & Lindley Cintra, e fazer uma gramática que realmente descreva o brasileiro.

Gaia — Como você vê o novo Acordo Ortográfico assinado recentemente? Em que os professores, estudiosos e usuários da língua ganhamos e perdemos?

Marcos – Sou contra o acordo ortográfico e já sei de antemão que ele não vai entrar em vigor nunca. Aliás, é ridícula essa história: se o acordo é para unificar a ortografia, como é que bastam três países (dos oito) para que ele seja instituído? Isso tudo é maquinação de diplomatas. Educadores e lingüistas sabem que esse acordo não serve para nada, a não ser para jogar fora milhões de livros produzidos em países onde se publica pouco e mal.

Gaia — Sua obra tem muitos títulos voltados para o público infanto-juvenil, como por exemplo O papel roxo da maçã e O espelho dos nomes. Comente um pouco sobre o interesse do escritor em abordar temas voltados à língua para tal público.

Marcos – Em minha produção literária procuro sempre escrever em português brasileiro urbano contemporâneo, porque acho ridículo usar mesóclises e regências verbais quinhentistas quando se escreve hoje para crianças e jovens no Brasil.

Gaia — Há um certo tempo, a revista Veja publicou uma matéria de capa sobre como o português bem falado pode ajudar em uma carreira profissional bem-sucedida. Conte-nos, Marcos, quais os segredos da língua?

Marcos – Não acredito em “segredos da língua”. Se eles existem, estão ao alcance de todo e qualquer falante, e portanto não são segredos.

________

Marcos Bagno é lingüista, escritor e tradutor. Doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela USP, atualmente é professor de Lingüística na Universidade de Brasília (UnB). Entre seus principais títulos estão: Dramática da Língua Portuguesa, Português ou Brasileiro? Um convite à pesquisa e A língua de Eulália (ficção), além de dezenas de obras literárias. Traduziu autores como Balzac, Sartre e Oscar Wilde. (mais em www.marcosbagno.com.br).

* * *

Entrevista a Lucas de Sena Lima

Read Full Post »

A língua configura-se como um complexo universo em que existem os mais diferentes e curiosos planetas. A partir deste paralelo, podemos dizer que os “planetas” que gravitam a imensidão da língua são as variantes linguísticas.

Desde tenra idade, entramos em contato com a linguagem verbal, imitando-a, apropriando-nos de suas propriedades essenciais. Paulatinamente, tornamo-nos confidentes da língua, que  nos revela os seus mais íntimos segredos.

Observamos também que, comos nós, os outros indivíduos acabam por ligar-se à língua também. Em grande parte, é este o principal fator que culmina no milagre da comunicação humana.

As pessoas, contudo, utilizam formas distintas da mesma língua. A estas mudanças no uso da língua, explicadas devido uma rede intereligada de informações, que determinam a escolha de um determinado modo – tais como: região em que se vive, faixa etária distinta, grupos sociais diferentes, etc. … – chamamos VARIEDADE LINGUÍSTICA.

Grosso modo, as variedades linguísticas constituem as variações que um idioma qualquer apresenta, em função da condição social, cultural, histórica e regional em que um indivíduo o utiliza. Constituindo-se como parte integrante do universo língua, as variantes possuem o objetivo principal de promover a comunicação interativa e verdadeiramente efetiva entre as pessoas.

Não existe uma variante que sobrepuje outra; em verdade, todas as variações linguísticas são consideradas corretas, se respeitadas suas condições e adequações de uso. Apesar disso, a variedade padrão, também chamada de norma culta, possui maior destaque e prestígio social. A norma culta é  aquela que se ensina nas escolas, largamente utilizada na escrita oficial (livros, revistas, jornais, artigos científicos e acadêmicos …). Às vezes, os meios televisivos também a utilizam. As outras variantes, que incluem em seu grupo um enorme caudal de possibilidades, desde  variações regionais de fala (sotaque), de uso e de escolha vocabular e sintática, por exemplo, até os jargões e as gírias… todas estas formas se configuram, de maneira genérica, como variedades não padrão.

Uma velha dicotomia: língua x fala

Saussure, em seu Curso de Lingüística Geral, fala a respeito da dicotomia língua x fala. Relembramos das considerações do autor, em determinada medida, quando percebemos que a língua, principalmente em sua faceta escrita, demonstra-se fatalmente como um fenômeno estático, se comparada à fala, “entidade” vertiginosamente dinâmica. Tanto língua quanto fala fazem parte da linguagem verbal humana, que sabemos,  transmite muito mais do que nossas ideias. A linguagem  e  a língua-fala são capazes de mostrar o nosso “eu” para os outros indivíduos. Por elas, as pessoas acessam um conjunto de informações que passamos no ato da escrita ou da fala. Nossas escolhas denunciam quem somos no plano social e interferem em nossa interação com a sociedade. Um sotaque revela de onde somos; às vezes, a escolha de palavras, nosso nível escolar, nossa formação; uma “ingênua” expressão diz respeito aos nossos valores culturais, às nossas crenças, ao nosso círculo de amizades; a omissão, esporadicamente, pode dar indício de uma mostra de timidez, pode esclarecer a maneira pela qual passamos pelo processo de adaptação a novas situações…

Enquanto seres sociais e sociáveis que somos, temos um poderoso instrumento de ação: a língua. Ela pode nos aulixiar, bem como nos atrapalhar na prática social… tudo depende de nossas escolhas.

 

Variação linguística... relevação de sua personalidade sócio-cultural. Expressão: mostra de seu "eu"...

 ♦Por: Nathaly Felipe Ferreira Alves♦

 

Read Full Post »

O professor de português precisa ampliar competências e articular habilidades para ser proficiente no ensino de língua portuguesa como língua estrangeira.

No processo de aprendizagem, é preciso levar em conta:

  • diversidade cultural dos alunos;
  • interação aluno/professor;
  • métodos e abordagens no ensino de língua estrangeira.

Além disso, o professor precisa compreender a língua do aluno para que haja interação e as dúvidas possam ser esclarecidas, se necessário na língua materna do aluno.

É preciso formação diferenciada em relação ao professor formado pelo curso de Letras. Há pós-graduações e cursos específicos para professores que pretendem trabalhar com LP como LE.

O professor tem de:

  • ser especialista em língua portuguesa (conhecimento acadêmico);
  • desenvolver tarefas utilizando tipologia de exercícios diversos a fim de promover o aprendizado;
  • aguçar conhecimentos em sua própria cultura: mitos, lendas, personalidades, história da língua e do país, comidas típicas, etc.;
  • colocar-se no papel de aprendiz para compreender o processo de aquisição de uma outra língua (quando o professor experimenta aprender uma LE, reconhece os mecanismos de aprendizagem, possibilitando-o refletir sobre o processo de aquisição de uma LE).

Para explicar algumas expressões e dizeres o professor precisa utilizar recursos variados: música, arte, fotos, imagens, desenhos, etc. Tente explicar, por exemplo, para um estrangeiro a palavra “saudade”, ou então “dar um jeitinho” ou mesmo “samba no pé”.

O professor deve buscar materiais de apoio e preparar suas aulas com base de que seu aluno não possui a “bagagem” cultural e línguística suficiente da língua a ser ensinada. É necessário fornecer aos alunos cultura e informação com exercícios regulares e diferenciados, adotando, assim, uma metodologia adequada, a fim de desenvolver no aluno a compreensão da língua portuguesa numa situação de comunicação.

PAULA CRISTINA

Read Full Post »

Uma vez, ouvi dizer que os seres humanos diferem dos outros animais, ditos irracionais (segundo nossos parâmetros) em função da capacidade de se comunicar de forma complexa. Haveria outros motivos para distinguir homem e bicho, mas quero tentar falar um pouquinho sobre a comunicação humana. Mais propriamente, desejo falar de um estágio, ou parte, ou fase desta comunicação: a leitura.

A leitura é, entre outras coisas, o que nos permite conviver em sociedade, porque lemos, não apenas palavras, mas  o mundo, ora decifrando, ora decodificando tudo o que dele surgir. A leitura verbal, baseada na fala e na escrita, ao menos no Ocidente, se vale de uma faceta do signo linguístico, de sua imagem acústica, para que se tenha a compreensão ou a decifração da mensagem por meio do código linguístico. Já a leitura não-verbal revela a representação de um sistema em que as palavras não fazem parte…

Como podemos ler, então?

Quando disse que a leitura se destina à interpretação do mundo, você pode entender que qualquer  tipo de linguagem, seja artística, simbólica, literal… pode ser lida. Calados, muitas vezes “falamos” mais da gente do que se falássemos, efetivamente, sobre nós mesmos. Nossas preferências indicam o que gostamos, nossas roupas dizem muitas vezes nossas intenções, tudo o que escolhemos, muitas vezes, revelam até mesmo  o que nós queremos que os outros pensem da gente…  e, consciente ou inconscientemente, isso acontece. As escolhas, essencialmente individuais, mostram algo que queremos comunicar por meio de signos que revelam nossa auto-imagem, ou a imagem que os outros indíviduos possam ter de nós. Estes signos, portanto, prescindem das palavras. Quando compreendemos o mundo, as outras pessoas, pela maneira que se mostram, pelo que o querem passar… dizemos que lemos sem nenhuma palavra, nenhumazinha.

Como isso é possível?

O código é o elemento que nos proporciona a leitura. Fora o código linguístico, existem muitas outras estruturas de comunicação que codificam a representação do mundo em que vivemos, do qual queremos falar. Decodificar, dessa forma, seria conhecer o código, desvendando-o, interpretando-o. Para tanto, além da codificação, precisamos também saber como é que os signos se comportam, como se organizam para o estabelecimento da leitura e da concretização do ato de comunicar. Além disso, também devemos ter em mente que muito do “arsenal” de compreensão de mundo que temos vêm das associações que fazemos. Partindo de uma sintaxe linear (o que é característico da leitura verbal) ou de uma organização comparativa entre objetos, pessoas, fatos sociais e  situações cotidianas principalmente (característica da leitura não-verbal), não importa, a gente sempre acaba lendo.

Ocorre que o texto não-verbal é destituído de um código definido. Seus signos são como os fragmentos de um meteoro, dispersos. Não existe uma organização clara dos signos, eles não são convencionais neste tipo de texto. A simultaneidade dos sons, das cores, dos cheiros, dos sabores, contudo, produzem uma nova ordem e permitem a produção e a organização dos símbolos, dos índices, dos ícones que proporcinam a decodificação deles e, finalmente, formam a comunicação.

Essa produção de um signo que possa estabelecer a comunicação não-verbal e sua leitura, apesar de aparentemente aleatória, se constrói gradativamente, se consolida devido à nossa bagagem cultural, ao nosso repertório. Há determinadas leituras que podem até parecer universais, mas as convenções ficam de lado e dão espaço à individualidade, ao caudal de possibilidades que  propõe ao leitor.

A Semiótica, lógica da linguagem, tem se deparado com a questão das palavras e das “sem palavras” constantemente. Considerando tudo o quanto possa comunicar como texto, poderíamos pensar que a leitura não-verbal possa ser uma sugestão de uma experiência nossa pautada, muitas vezes, em algo cotidiano. Uma impressão, porque toda e qualquer interpretação é possível, mas nunca é totalmente correta ou completa.

Leitura não-verbal: os fragmentos sígnicos nos dão uma ideia, uma impressão do mundo. Para alguns, essa imagem não tem nada de errado. Os signos estão em harmonia, há naturalidade e tudo o quanto existe na imagem faz parte da ambientação do mundo contemporâneo, liberal. Para outros, há um descompasso tão grande, que a leitura pode se mostrar como uma afronta, um desrespeito, uma total inversão de valores. Como podemos ler essa imagem, o que ela nos diz?

Para alguns o céu azul e limpo é uma beleza: praia, sol, vida. Para outros, os que dependem da chuva nas plantações, os que vivem e dependem da terra, os que são flagelados pela seca... a leitura dessa imagem é a morte.

Por: Nathaly Felipe Ferreira Alves

Read Full Post »

Cantiga de D. Dinis, o Rei Trovador

“Ai senhor fremosa, por Deus”

01 Ai senhor fremosa, por Deus,

02 e por quam boa vos El fez,

03 doede-vos algũa vez

04 de mim e destes olhos meus,

 

05 que vos virom por mal de si,

06 quando vos virom, e por mi.

 

07 E, porque vos fez Deus melhor

08 de quantas fez, e mais valer,

09 querede-vos de mim doer

10 e destes meus olhos, senhor,

 

11 que vos virom por mal de si,

12 quando vos virom, e por mi.

 

13 E, porque o al nom é rem

14 senom o bem que vos Deus deu,

15 querede-vos doer do meu

16 mal e dos meus olhos, meu bem,

 

17 que vos virom por mal de si,

18 quando vos virom, e por mi.

(CBa 529, 526)

Iluminura medieval que retrata os mistérios do Amor Cortês.

Iluminura medieval que retrata os mistérios do Amor Cortês.

Possíveis comentários:

O trovador roga à amada que tenha compaixão dele e dos seus olhos. A temática de “Ai senhor fremosa, por Deus” delimita-se, portanto, no campo da visão, sentido muito citado em toda a lírica trovadoresca. O trovador suspira, invocando mais uma vez a divindade para tentar abrandar o insensível coração de sua senhor. Apesar desse apelo a Deus (artifício do poema medieval, como já dissemos), podemos perceber um aspecto sensual que permeia toda a cantiga.

Na primeira cobra, o eu lírico suspira por sua dama, a mais bela dentre as mulheres (versos 1, 2, 7 e 8), expondo imediatamente seu drama. Ele sofre desde o aziago dia em que a viu (refrões). O poeta, cogitando a possibilidade de sua amada se condoer pela sua dor (verso 3), explica que a causa de “seu mal terrível” provém do ser amado. A crise do trovador se intensifica à medida que ele deseja ser perdoado pela sua amada, que se configura como impassível, sans merci.

Percebemos, dessa maneira, uma possível dicotomia: “bem” x “mal”. A dama “e por quam boa vos El fez” é belíssima e,  configura-se como o Bem Supremo do trovador, o próprio amor (sua origem e seu fim). Concomitantemente, a mulher cumpre o papel de agente da dor do poeta, agente maléfico, portanto. O motivo do sofrimento do trovador (o momento em que vê sua amada) também é duplo: os olhos, enquanto veículo do amor, vislumbram a beleza inebriante da dama, tal como se vislumbrassem a aurora (ousamos a comparação, apoiando-nos na concepção da beleza medieval, de caráter canônico). O impacto da visão da mulher ideal é tamanho que o poeta não hesita em admirá-la; seus sentidos se aguçam e ele entra no perigoso jogo do desejo; finalmente preso às tramas da paixão, o poeta se mantém inerte, ludibriado pelos encantos sobrenaturais da senhora, a quem se coloca como vassalo amoroso.

Haja vista a cantiga não possuir diálogos, dada a sua estrutura formal, percebemos que, apesar de enfeitiçado pela beleza erótica feminina e torturado pelo seu desejo visivelmente carnal, o eu lírico se mantém alerta, como se ensaiasse uma fala a sua senhora.  A segunda estrofe corrobora essa afirmação. Nela, pois, o trovador elogia sua suserana, usando as mesmas qualidades do elogio para rogar sua atenção. Sendo a dama tão boa e tão bela, como renegar o amor de seu pretendente?

O tom elegíaco da cantiga continua na terceira cobra. O trovador usa de seu talento para lidar com as palavras, ratificando a beleza da amada, bem como sua bondade, com a condição que ela se condoa dele, e mais: aceite suas súplicas mais pulsantes e carnais, portanto (versos 14 e 15).

A cantiga é composta por 3 cobras, tendo o talho como estrutura estrófica.  Há 18 versos, todos decassílabos agudos (excetuando os versos 1 e 4 que são graves). Há enjambement entre os versos 3 e 4, 7 e 8, 9 e 10, bem como entre os 15 e 16. As rimas são interpoladas (ABBA) nas cobras e paralelas (AA) nos refrões, todas são finais e consoantes; ricas nas 1ª e 3ª cobras e pobres na 2ª estrofe e nos refrões. Há cesura nas quartas sílabas de todos os versos.

♦Nathaly Felipe Ferreira Alves♦

Read Full Post »

As prateleiras de livros em bibliotecas e sebos assemelham-se a labirintos, numa desorganização convidativa.

Quando há vários livros juntos, empilhados, ou lado a lado, sinto uma ideia de tontura, de tanto conteúdo que deve haver ali. Mas o labirinto que mais me impressiona é aquele em que a gente se perde voluntariamente: os dicionários, ou antologias lexicográficas, como gosto de chamar.

Aprendi a gostar de ler em dicionários e enciclopédias, e convido vocês à prisão que um dicionário pode representar. Funciona assim: você pega um desses (quanto mais páginas houver, mais arriscada é a aventura), e abre aleatoriamente. Exemplo:

em.bi.lo.car
vint 1 Barafustar. vtd 2 Meter.

Você procura uma palavra (ah, as palavras) neste instrumento que, em tese, deveria elucidar, e acaba comprometido a esclarecer uma dúvida que ele próprio te trouxe. Vou pesquisar este termo que apareceu em vermelho, olha só:

ba.ra.fus.tar
vti 1 Entrar violenta ou precipitadamente. vti 2 Dirigir-se, saltar (para algum lado). vint 3 Agitar-se desordenadamente; bracejar, debater-se, espernear, estrebuchar. vint 4 Afanar-se, lidar.

Apesar de já deduzir o significado, impossível manter-se inerte frente a alguns desses verbetes, isso quando o amigo que você tem em mãos não te seduz a outras músicas. Eis que os olhos passeiam por outros verbetes, até que encontro um, na mesma página, que apreende minha atenção:

ba.rag.no.se
sf (bari1+agnós, que não reconhece+ ose, com haplologia) Patol Incapacidade de sentir o peso dos objetos e de compará-los com outros.

E aí temos n possibilidades ante a situação, entre as quais:

1. não contentarmo-nos com a definição reducionista que o dicionário traz, buscando aprofundar o conhecimento em enciclopédias ou livros de referência sobre o assunto, sem jamais sair da biblioteca em que estamos;

2. deixar os olhos passearem por outras palavras, mantendo a insaciedade de curioso inveterado;

3. procurar o significado de haplologia, retomando o ciclo infinito;

4. entregar a situação ao azar novamente, sorteando outra página do dicionário para procurar mais e mais palavras desconhecidas, interessantes, ou bonitas.

Todas elas, é claro, provam que o dicionário é um ótimo lugar para se perder. A opção menos acertada seria fechar definitivamente as folhas, com as duas mãos, num gesto brusco e violento – devolvendo-me à realidade da vida, onde estas palavras dicionarizadas acontecem com os fatos.

Para amadores, recomendo o de bolso (que não cabe no bolso). O grande Houaiss é para corajosos, os que não temem perder uma tarde inteira, nem os músculos do braço, de tão pesado que ele é (recomendo escorá-lo às pernas). As enciclopédias são mais perigosas: elas ameaçam não te trazer de volta jamais, te tiram noites de sono, fazem sua vida se tornar dupla: a vida dos fatos e a das páginas. Resta definir qual a mais interessante.

Lucas de Sena Lima

Read Full Post »

Older Posts »